Postagem especial pra esse disco que foi um dos mais falados no ano. E, com certeza, um dos mais escutados pela casa.
Consegui trocar uma idéia com o Leon Michels, líder do El Michels Affair que resultou em uma entrevista pra revista +SOMA. Agora coloco a matéria na íntegra pra quem não viu, ou pra quem viu, relembrar:

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Com a tecnologia avançando cada vez mais e a era digital tomando conta, é muito mais simples fazer música nos dias de hoje. Porém, apesar de um home-studio básico ser tudo que se precisa para fazer um bom disco, o romantismo da música está cada dia mais próximo da extinção.

Nem todos estão satisfeitos com isso. Eis que surge uma nova cena com nichos nos Estados Unidos, Inglaterra, Japão, Austrália e outros lugares. Rotulado como new grooves, o estilo é uma síntese de referências musicais como o funk, soul, afro-beat, reggae, trilhas sonoras e derivados. Gravados em equipamentos antigos, a sonoridade lembra os timbres específicos das gravações dos anos 60/70, dando um sabor nostálgico e atual ao mesmo tempo. Selos como Ubiquity, Truth & Soul, Daptone e Freestyle Records são os principais desse cenário formado por músicos jovens, beirando os trinta anos de idade.

Um dos principais grupos dessa nova safra é o El Michels Affair, formado em 2002, inicialmente pelo saxofonista e pianista Leon Michels, o baterista Nick Movshon e o técnico de áudio Jeff Silverman. Os integrantes da banda estão em diversos outros projetos bem sucedidos como The Dap Kings (que acompanha Amy Winehouse e Sharon Jones), Antibalas e Budos Band. Anos de experimentações do trio fundador resultaram em um novo estilo de soul instrumental, baseado em trilhas sonoras cinematográficas, que posteriormente viria a ser chamado de Cinematic Soul.

Em 2005, lançaram o resultado dessas experiências no elogiado álbum “Sounding Out The City”, gravado, mixado e masterizado pelos próprios integrantes do grupo e lançado pelo selo da banda, Truth & Soul Records.

Com a boa repercussão desse álbum, o El Michels começava a receber convites para novos projetos. Entre eles um em especial, que ocasionou encontros ao vivo com membros do Wu-Tang Clan.

Reproduzindo ao vivo versões instrumentais de musicas do lendário grupo de hip-hop americano, acompanhados pelos mc’s Raekwon, Gza, Inspectah Deck e U-God nos microfones, chegou-se a um resultado tão bom, que surgiu a idéia de um novo projeto: gravar um disco reproduzindo de forma orgânica os instrumentais do Wu-Tang Clan.

“Enter The 37th Chambers” é o que saiu dessas gravações. São quinze faixas hipnóticas, entre versões de musicas do grupo e de seus integrantes em carreira solo. O som enfatiza tanto os beats quanto os originais sampleados por RZA.

Leon Michels, líder e fundador do grupo, nos contou um pouco sobre tudo isso e muito mais.

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Quando o groove do funk começou a fazer parte da sua vida?
Eu cresci ouvindo jazz, já ouvia na escola. No 2º grau eu conheci o jazz mais funkeado como Lou Donaldson e Lonnie Smith e, a partir daí, deslanchou. Quando  conheci o Phillip Lehman (dono do extinto selo Soul Fire) fui apresentado ao funk mais pesado.

Antes do El Michels Affair, você fazia parte do The Mighty Imperials, que lançou somente o álbum “Funky Chicken”, em 2001. Por que a banda terminou?
Na verdade a banda nunca se separou oficialmente. Nós apenas amadurecemos e perdemos o interesse no som que fazíamos. Eu ainda colaboro e toco com todos os caras que eram do The Mighty Imperial. Eu e Homer (baterista) nos juntamos ao The Dap-Kings. Nick Movshon (baixo) foi para o Antibalas e Sean Solomon ainda toca guitarra em vários álbuns da Truth & Soul.

Qual era sua função dentro da Soul Fire Records?
Eu era basicamente um músico da casa, como acontecia antigamente em selos como Motown e Stax. Nós simplesmente gravávamos vários sons loucos e Phillip Lehman, doido o suficiente para lançar algumas dessas gravações.

E como foi a historia da Truth & Soul Records? É verdade que você comprou o estúdio e os equipamentos da Soul Fire e montou seu próprio selo?
Na verdade “herdamos” o estúdio. Phillip Lehman se mudou para a República Dominicana e nós começamos a Truth & Soul. A gente já pensava em ter um selo próprio, pois nossa estética sonora era um pouco diferente da estética da Soul Fire. Basicamente “herdamos” o espaço e acabamos preenchendo-o com mais equipamentos.

E como surgiu o El Michels Affair?
A gente gravou um single para a Soul Fire chamado “Easy Access”, há uns seis anos, usando o nome El Michels Affair. Pouco depois, comprei uma mesa Tascam 388 e a montei no meu quarto, ainda na casa dos meus pais. Eu e Nick Movshon começamos a gravar música todos os dias em um período de uns dois anos, e assim surgiu o álbum “Sounding Out The City” (lançado em 2005).

A sonoridade que vocês conseguem tirar nas gravações tem uma timbragem especifica dos anos 70. Como funciona o processo de produção e gravação da banda?
Jeff Silverman é o cara para falar sobre gravação, porque ele faz toda a nossa engenharia sonora. Nós usamos um gravador de rolo de 1” e vários equipamentos externos. Um amigo nosso faz a maioria dos nossos compressores e limiters. Nós também piramos nos reverbs e delays dos anos 70 e 80. Muito do nosso som vem da forma como gravamos, mas eu acho que também vem da nossa sensibilidade e da forma como nossos músicos tocam. Você pode ter todos os equipamentos top vintage do mundo e seus álbuns ainda soarem mal se você não sabe o que está fazendo.

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Fale um pouco dessa sonoridade que vocês chamam de “Cinematic Soul”?
“Cinematic Soul” significa uma musica que tenha um sentimento épico, cinematográfico. Às vezes nossa música é totalmente instrumental, mas tem uma vibração e uma narrativa mais forte do que se tivesse vocais. Essa é uma das razões pela qual eu acho que o El Michels Affair e o Wu-Tang Clan foram uma combinação tão boa. Eu considero os dois exemplos como sendo “Cinematic Soul”.

Como foi a historia com o Raekwon? Foi a Scion (marca associada da Toyota para o mercado americano, que, além de carros, faz diversos projetos culturais) que fez o convite depois de ouvir as versões de instrumentais do Wu-Tang feita por vocês?
O convite da Scion surgiu por causa do album “Sounding Out The City”. Os singles do Wu-Tang vieram um pouco depois. Eles estavam em turnê na época. Primeiro fizemos umas coisas com o Jeru (The Damaja), depois com Slick Rick e finalmente com o Raekwon. O show do Raekwon foi tão bom que rolaram mais quatro shows e uma mini turnê. E uns seis meses depois desses shows decidimos gravar uma versão instrumental de “C.R.E.A.M.” e “Glaciers Of Ice”.

E disso tudo veio a idéia do álbum “Enter The 37th Chamber”?
O “The Enter 37th Chamber” veio dessa experiência. O single vendeu tão bem para a nossa expectativa que foi até natural gravar um álbum inteiro de “covers” do Wu-Tang. Uma coisa que nos assustava muito era a possibilidade dos sons ficarem cafonas, principalmente porque o original é pesadão e praticamente perfeito.

Por toda essa historia, acredito que vocês sejam apreciadores do verdadeiro hip-hop, de produtores como RZA, Pete Rock, J. Dilla. O que você acha da cena atual do hip-hop nos Estados Unidos?
O hip-hop que está nas rádios é, em grande parte, um lixo. Eu concordo que o gênero deve evoluir musicalmente, mas esses beats tocados com teclado com uma produção dita futurística no hip-hop moderno, me irritam. Eu ainda acho que existem coisas boas, tanto no underground quanto no mainstream, mas é pouco.

Conhece musica brasileira?
Eu amo a música brasileira, principalmente dos anos 60 e início dos anos 70. Meus favoritos são Tom Zé, Wilson Simonal, Gal Costa. Eu também piro nas coisas da Tropicália dos anos 60. Existe tanta música brasileira boa que eu me sinto um iniciante a respeito. Eu precisaria de anos colecionando obsessivamente para conhecer bem. Por sorte, tenho amigos brasileiros em Nova York que me apresentaram ótimas músicas do Brasil.

Então shows no Brasil é uma vontade de vocês?
Quem dera! Nós estamos todos prontos aqui. Tem sido um sonho há algum tempo.

El Michels Affair – Enter The 37th Chamber


01- Duel of the Iron Mics
02- C.R.E.A.M.
03- Mystery of Chessboxin’
04- Can it All Be So Simple
05- Uzi (Pinky Ring)
06- Interlude
07- Glaciers of Ice
08- Cherchez La Ghost
09- Criminology
10- Heaven and Hell
11- Bring Da Ruckus
12- Protect Ya Neck
13- Incarcerated Scarfaces
14- Shimmy Shimmy Ya
15- Outro

Preview
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truthandsoulrecords.com/el-michels

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