Marcelinho da Lua é sinônimo de reggae, de música brasileira e, principalmente, de drum n’ bass. Pra quem é do Rio de Janeiro tá ligado, Da Lua é um guerreiro em prol da boa música há décadas. Antes mesmo de eu pensar em ser DJ, ele já era referência na cena. Hoje tenho a honra de fazer parte de seu círculo de amizade e venho aqui com muita alegria falar sobre seu novo álbum “Insolente” que acaba de sair pela Sony Music.

Quem aí não lembra do hit “Cotidiano” na voz de Seu Jorge que tomou o Brasil no começo dos anos 2000?! Ou o Black Alien arregaçando no drum n’ bass na faixa “Tranquilo” junto com o Bi Ribeiro dos Paralamas do Sucesso?! O álbum “Tranquilo” de 2003 ganhou prêmios e ajudou a criar uma identidade brasileira no drum n’ bass que rodou o mundo. Posteriormente, Da Lua colecionou colaborações com nomes de peso que vão de Chico Buarque a Daniela Mercury. Sempre impondo a sua identidade sonora.

Insolente” já vem sendo produzido há anos pelo DJ e produtor em seu estúdio, com colaborações de vários amigos, seja nas participações vocais aos músicos presentes. São doze faixas que universalizam a música brasileira jogando aquele tempero do reggae, blues, ska, rap, música eletrônica e convidando nomes como Marcelo D2, Otto, Black Alien, Larissa Luz, Helio Bentes, Fernanda Takai e até uma homenagem linda a Tim Maia e seu filho Sebastião.

O artista fez um faixa a faixa contando detalhes de cada uma das doze músicas. Então te convido a fazer o seguinte: aperte o PLAY e vai lendo as ideias música a música. O resultado é classe A! Obrigado Da Lua! Sempre representando em alto nível!

Ouça: Marcelinho da Lua – Insolente (Sony, 2019)

Marcelinho Da Lua – Fruta Madura ft. Otto (VIDEO)

“Insolente é um terreno baldio e analógico ornado com uma encruzilhada entre a minha estética de estúdio, o blues de lamento, o samba enquanto manifestação diversa e a marca comportamental do nosso povo destemido, musical, malemolente e criativo. É quando o desfavorecido não olha de baixo pra cima pro arrogante. Ele mira pupila a pupila e dá o seu recado sem receio. Insolência combina com reflexão, provocação, desobstrução, pura comunicação, garantir, ocupar, questionar, papo reto, sem mimimi, lutar e resistir.

O disco foi gravado no meu próprio estúdio com mais dois amigos que produziram, tocaram e tiveram muita paciência e nem um pouco de preguiça. Exaurimos todas as ideias absurdas. Obrigado Marcio “Primão” Menescal e Bruno “Nobru” LT. Nós somos o Tranqüilo Soundz, produzimos o disco e vamos pra estrada com um show “heavy dub style”. A mixagem é minha e do irmão Alexandre Moreira.”

FAIXA A FAIXA

1) Blackbelt – Marcelinho Da Lua featuring Gustavo Black Alien

Há muitos anos numa madrugada de muito sereno após uma festa em meu quarto, eu e meu irmão Gustavo Black Alien iniciamos o rascunho do que viria a se chamar “Black Belt” . A única música totalmente cantada em inglês em meus discos foi reescrita diversas vezes e com diferentes formas.

Ela é uma batida básica e pesada de rap que tem uma escalinha de choro contrastando com a guitarra rítmica e o slide de Otávio Rocha (Blues Etílicos) que ataca desde a intro dando um clima de “Jamaica Western Cowboys“.

Gustavo mostra porque é único rimando, com momentos pesados numa parte da música, melodiando em outras e fazendo também um clima profético no refrão. Para repetir a brilhante experiência da música “Tranquilo” (2003 Deckdisc) eu chamei o Bi Ribeiro para fazer o baixo elétrico e ele usou o Fender Mustang do meu estúdio saindo fora do seu padrão de instrumento.

A tríade Black Alien, Marcelinho Da Lua e Bi Ribeiro está de volta insolente integrando o Sound System.

2) C´est Saia – Marcelinho Da Lua featuring Larissa Luz

A ideia de fazer uma música com Larissa Luz a grande estrela baiana que interpreta o lindo musical “ELZA” vem de alguns anos.

Foram diversos rascunhos que entraram no disco. Eu precisava de aventuras novas para conceituar o álbum como um todo e Larissa canta muito e também é uma mulher afro brasileira guerreira na luta incessante por seus direitos. Ela tinha que estar no disco também por nossa grande afinidade. Preparamos uma base simples no estúdio, de harmonia idem. Larissa fez a letra e gravamos uma voz guia e a grande sacada foi uma frase de teclado analógico Juno que remete à época do acid house que vira um mantra sobre o samba de roda do percussionista baiano conterrâneo de Larissa, Boka Reis. C’est Saia tem um ritmo bem variado e conta com o violão estilo ibero mouro de Moyses Darmont. A letra e a voz linda de Larissa são firmes e retas sobre o empoderamento feminino.

3) Fruta Madura – Marcelinho Da Lua featuring Otto

Minha primeira parceria com meu amigo Otto é dividida também com Fabio Negroni – músico e arranjador. Marquei com o Fábio no início do dia para criarmos uma base para o Otto entrar com a melodia. Gravamos baixo e guitarras em cima de uma programação simples e embarcamos dentro do espírito delta dos rios desse mundo dando uma etnia sem local determinado.

Otto chegou no fim da sessão e em menos de 30 minutos desferiu trechos da letra acompanhados de melodias lindas e aparentemente desconexas e saiu para um compromisso deixando sua poesia com a gente. Nossa equipe deu forma à canção numa montagem e chamei o percussionista maranhense Cacau Amaral para tocar os tambores do “Tambor de Criola”, matraca e ganzá. Foi sensacional a tarde em que Cacau afinou os tambores numa fogueira no quintal do estúdio, nos transportando pro nosso Maranhão. Prá cereja do bolo, mais guitarra SG do Otavio Rocha.

4) Quando eu contar (ia ia) – Marcelinho Da Lua featuring Marcelo D2 e Chupeta Elétrica

No Carnaval de 2015 no Bloco Spanta Neném eu fui diretor musical de uma banda chamada “Chupeta elétrica“, que recebia artistas diversos da música popular para interpretarem clássicos em arranjos diferentes. E nesse ano colocamos estilos jamaicanos com batuques brasileiros e um arranjo “ska” para Marcelo D2 interpretar com a banda o clássico do samba “Quando eu contar ( Ia Ia )“, interpretado originalmente por Zeca Pagodinho, com composição de Beto Sem Braço e Serginho Meriti. D2 deitou e rolou sobre a base vigorosa da banda e sua sessão de metais. Vale destacar o break macumba no arranjo de percussão dos irmãos Gustavo e Guilherme do Salgueiro e a interpretação de D2 nesse momento. O arranjo ficou tão bom que propus colocar ela no disco. Sou amigo do Marcelo das cercanias do Largo do Machado desde antes dos palcos e nunca tínhamos colaborado num álbum. Foi sem dúvida uma grande estreia.

5) Herança verdadeira – Marcelinho Da Lua featuring Rogê

Num encontro às cegas no estúdio com Rogê o papo era sobre nossa diversidade e os milhares de toques e batuques do Brasil e a conclusão que há tambores espalhados pelo mundo todo e que mais do que ritmo é um grito de existência, é resistência cultural e vanguarda uma vez que quase toda música popular moderna é baseada na batida. Na minha concepção o funk carioca foi – talvez no mundo – o primeiro estilo de música eletrônica que misturou tambor com sample.
Sendo assim, fizemos um caldeirão rítmico com a luxuosa participação da lenda dos tambores cariocas Laudir De Oliveira (Sergio Mendes, Chicago, Jackson 5, Joe Cocker, etc…) e o coro de crianças da Escola Spanta Neném de Música da comunidade Dona Marta.

Na letra desfilamos diversos ritmos existentes e criamos uma embolada dando um recado libertário que Rogê esmerilhou no “flow”. Para ilustrar a diversidade coloquei tambores orientais, pra exaltar a atualidade vocoder, somei uma forte batida com o violão e solos de guitarra elétrica do Rogê.

6) Vento na Vela – Marcelinho Da Lua featuring Augusto Bapt

Criada em 2011 com o grande amigo Augusto Bapt, “Vento na Vela” é a música mais antiga do disco. Esta faixa é uma das mais “insolentes” do disco com a letra, a forma e o arranjo contendo elementos “lisérgicos e transgressores”. Começa já com o recado “piloto a vida na contramão” e em seguida com o coro feminino trazendo um recado de liberdade. A bicicleta, o quartin, o vento na vela e uma “adaptação” da máxima de Dr. Timothy Leary “ turn on tune in drop out” para “então se liga, se move , sintoniza no radin” dão a bandeira de diversas possibilidades de desconexão do mundo material. A colaboração do maestro Rodrigo Braga foi fundamental com a sua contribuição na composição e também com seus teclados, guitarra e arranjo de metais executado por Marlon Sette e Zé Carlos Bigorna. Restou o material estupendo para os experimentos no estúdio. Abram as portas da percepção!

7) Não vendo – Marcelinho Da Lua featuring Lucas Santtana

Convidei o Lucas Santtana para fazer uma música sobre as vendas de sambas, uma prática que acontecia por volta dos anos 30. Malandros, cantores e compositores vendiam suas ideias por pouco para virar sucesso nas grandes vozes.

A música foi baseada em cima de uma cadência harmônica de blues e optamos pelo violão de nylon dialogando com acordeom no estilo “zydeco” para ambos transitarem entre o lamento do blues e do samba. E a cobertura com os trombones de Marlon Sette puxando a “second line” brasileira sintetizada numa bateria pesada. “Não vendo” é também uma homenagem a New Orleans. A poesia de Lucas sob a ideia de Da Lua das vendas de samba rendeu um belo questionamento sobre a gentrificação, ocupação dos espaços públicos, valores fundamentais de um artista, da arte transgressora.

8) Samba e Amor – Marcelinho Da Lua featuring Marta Ren e Pedro Luís

O encontro no estúdio foi proposta de Pedro Luís quando a cantora e amiga em comum Marta Ren estava no Rio de Janeiro em pleno verão para um relax.

A sessão de gravação foi especial e descontraída, enquanto a prioridade era registrar Marta em sua primeira gravação no Brasil com seu português de Portugal (ela só canta em inglês sua soul music e raramente ao vivo em português com os amigos da terrinha).

A minha ideia e desafio era de fazer um “rock / soul / disco / funk” com os milhões de acordes e a belíssima melodia de Chico Buarque.

A intro chega através de uma bateria eletrônica dos anos 60 “Mini Pop’s” e na sequência a guitarra base de Pedro e a guitarra funk de Leonardo Vieira se completam sobre a base sólida e a minha psicodelia. As vozes se entrelaçam em perfeita harmonia ilustrando a letra e repletas de delays analógicos. Marta interpreta com maestria o gozo, a alma boêmia, a vã filosofia e a ressaca e Pedro entra na mesma onda e cola perfeitamente na cantora portuguesa.

9) Pode Acreditar – Marcelinho Da Lua featuring Fernanda Takai

Música de amor que nasceu no mesmo quarto que “Black Belt”. O amigo Mauricio Maturo chegou com seu violão, com uma melodia e muitos acordes em uma tarde que eu estava de bode após um desentendimento conjugal. A letra tem um jogo de palavras que adoro e também escolhi conjugações não usuais hoje em dia pra poesia. A ideia de convidar a Fernanda Takai pra interpretar já veio com a sacada de convidar o Roberto Menescal para colocar as guitarras e pra fechar a cobertura convocamos os teclados analógicos e seu dono, o fabuloso Carlos Trilha. Com uma programação de bateria eletrônica e um baixo bem grave “Pode Acreditar” é uma falsa balada, pois pode soar pesada num bom sistema de som.

10) Sensei – Marcelinho Da Lua featuring Hélio Bentes
Incorporates a Sample of “That’s How Rumors Start”
Written by Joey Pastrana
Performed by Joey Pastrana & His Orchestra

Essa música era pra ser um remix “dub” de um track da gravadora muito barra pesada – Fania Records – (foi o BID quem me introduziu) de música latina feita no “Spanish Harlem” da Nova York dos anos 70.

“That’s How Rumors Start” de Joey Pastrana & His Orchestra era a faixa que escolhi para remixar com nossa equipe mas quando Hélio Bentes chegou no estúdio para criarmos uma música nova para “Insolente” eu estava sem nenhuma base pronta e tive a ideia de fazer em cima do background do remix para agilizar a sessão e depois faria uma outra base para a ideia de Helinho.

O problema é que a melodia e letra casaram perfeitamente com a voz, o piano, os metais e os vocais de Joey Pastrana & His Orchestra….Foi deitar e rolar no “Dubwise“!! O que mais demorou foi acordar tudo e autorizar a colaboração, mas essa também não foi a missão mais complicada do disco. Mas é uma medalha de grande orgulho na minha carreira por essa jornada Vila Isabel – Harlem via Laranjeiras. Assista “Fania All Stars” para compreender a gravadora.

11) As Rosas não falam – Marcelinho Da Lua featuring Bárbara Martins

Uma das faixas que aconteceu de forma mais inusitada. Há alguns anos o grande amigo Dj Saddam me pediu o favor de registrar a voz de sua mãe na época com 80 anos. Bárbara Martins foi cantora de rádio e quase ganhou o prêmio de “Princesa do rádio” mas na época foi garfada no concurso por um barão das telecomunicações que comprou votos e a gravação seria um desagravo. Na sessão, a música de Cartola “As rosas não falam” foi escolhida por ser sua música de performance, Barbára com a voz impecável arrasou na demo.

Decidi numa audição em casa que ela teria que estar no disco representando com excelência a vitalidade das gerações mais antigas ajudando a enterrar a expressão “Isso é coisa de velho “. A caixa de “Jungle” não é programada, é tocada pelo baterista Fred Castilho e o arranjo de clarinetes é do chileno Arturo Cussen. É puro veludo “cotelê”.

12) Sebastião – Marcelinho Da Lua featuring Tim Maia e Sebastião

Encerrando o disco a música “Sebastião” que fiz para meu filho quando ele tinha 5 dias de existência. A escolha do nome dele é uma homenagem ao Rio de Janeiro, ao Tim Maia e a Portugal. Quando gravei a voz, o choro de meu filho e os violões em casa procurei na internet uma voz do Tim Maia que falasse de amor pra compor a música e achei a entrevista que o cineasta Ivan Cardoso fez com Tim Maia chamada “ABC do Amor”.

Utilizei um trecho da entrevista e parti para conseguir as autorizações e com isso tive a sorte de conhecer o grande Ivan Cardoso que quando eu era pequeno vi o primeiro set de filmagem repleto de carros dos anos 50 do filme “Escorpião Escarlate”, uma cena inesquecível. E também a amizade de Carmelo Maia, filho de Tim Maia que me autorizou e me deu a honra de tornar seu pai meu parceiro na composição da música e artista na faixa que estou com meu filho. “Amar já é uma loucura brother …”.